domingo, 11 de setembro de 2011

o que passou passou

Certamente não há ninguém que olhe para trás de vez em quando e, ao se lembrar de acontecimentos passados, fique impassível, sem algum forte sentimento. Há pelo menos três categorias de lembrança: as ruins, que gostaríamos de esquecer; as boas, que gostamos de lembrar; e as mal resolvidas (como as oportunidades perdidas, por exemplo), que insistem em martelar nossa cabeça. Especialmente para as ruins e para as mal resolvidas, que volta e meia nos atormentam, costumamos nos autoconsolar, afirmando que não se pode mudar o passado e não adianta chorar sobre o leite derramado. Queremos acreditar que o que passou, passou e nada podemos fazer para modificar os fatos passados. Não é verdade.
Se a mente fosse uma casa, o porão seria o sítio das memórias. Um lugar empoeirado, cheio de objetos envelhecidos, caixas, álbuns de fotografias, revistas velhas, letras de música. Ali estão também arquivos com gavetas e pastas suspensas. Alguns esquecidos, quase apagados, que quase nunca abrimos, e outros mais novos, que ainda são consultados com alguma regularidade. E há, é claro, aquela parte sombria do porão, aquela região menos iluminada que, só de pensar, já dá frio na espinha. O que existe nessa área você não lembra bem, faz tanto tempo que não vai até lá que é preferível fingir que nunca existiu. Enquanto isso, a sujeira por ali vai se acumulando.
Outras pessoas, com outros porões, são desorganizadas de uma outra forma. Existem aquelas em que não há nada catalogado ou encaixotado, as lembranças estão espalhadas pelo chão. O dono desse tipo de casa não permite que as memórias sejam guardadas, mas também não se dedica a escrever novas histórias. Ao contrário do primeiro porão, o local está claro, e a bagunça, bem mais visível.
Mas qual é a melhor maneira de organizar o que passou para seguir em frente? Encaixotar e jogar em um canto escondido não parece ser a melhor saída, e deixar as lembranças tão presentes que sufocam, muito menos. Há que se achar o equilíbrio, afinal, o que passou, passou... mas importa. Então vamos à faxina!
1. Rever os arquivos
Consultar os "porões da memória" e relembrar aquelas coisas não tão agradáveis pode ser uma prática necessária. Essencial, até. Mas para que remexer nesses troços velhos e desagradáveis? Segundo Sigmund Freud, o pai da psicanálise, a mente é como um iceberg que flutua na superfície de um oceano. Só vemos a ponta acima da água, mas embaixo está a região que contém pensamentos, desejos, sentimentos e lembranças para os quais não estamos conscientes. Por isso, a essa região submersa ele deu o nome de "inconsciente". E era exatamente isso que mais interessava ao médico vienense, essa massa de paixões e pensamentos invisíveis, que ele acreditava estarem reprimidos ou bloqueados pela dor que causaria admiti-los. Freud percebeu que somos fortemente influenciados por esse inconsciente, muito mais que pelos pensamentos que dominamos de forma consciente. Não tem outro jeito. Vamos ter que mexer nos arquivos, pois o que passou, muitas vezes não passou totalmente. Com os escaninhos limpos, aí sim passou, e nós vamos em frente em busca de novas experiências, vivendo a vida real, a liberdade do momento presente, e não um passado que aprisiona.
Para que o paciente mergulhasse até o fundo desses anseios escondidos, Freud passou a usar a técnica da associação livre, em que o paciente relaxava e, provocado pelo médico, dizia qualquer coisa que lhe aflorasse à mente, por mais trivial ou embaraçosa que pudesse parecer. Ele acreditava que esse método produzia uma corrente de pensamentos que botava o paciente em contato com seu inconsciente, recuperando e liberando lembranças dolorosas, geralmente da infância. Freud chamou sua técnica de psicanálise.
A importância de reviver essas experiências é a enorme influência que elas exercem em nossas vidas. Para o estudioso, esses "impulsos desconhecidos" se expressam de forma disfarçada em nossas escolhas pessoais, nossas convicções e nossos hábitos e até provocando comportamentos que prejudicam a outros e a nós mesmos. Por isso, para deixar um fato mal resolvido para trás é preciso, primeiramente, reviver esse fato e entender seu impacto. Senão, parece que o que passou não passou tanto assim.

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